Silêncio. Silencioso. Silêncio.
Quietude. Calma.
Olhar para dentro.
Respirar fundo e guardar os pensamentos nas gavetas dos armários da mente.
Salas escuras e empoeiradas.
Escadas de gavetas entulham os espaços.
Corredores subdividem-se em sub-corredores.
Labirintos de lembranças mentais e sensoriais.
Memórias e mais memórias obstruem as passagens, transformando as ruas sem saída.
Os espaços são escuros e com teias de aranha.
Velhos e com cheiro de mofo.
Ao fundo, bem lá no fundo, há uma pequena luz.
Parece uma pequena faísca, trémula e instável.
Os corredores se multiplicam ao passar por eles, parecem não ter fim.
Aos poucos a pequena luz vai ficando mais forte.
Mais segura.
Um calor, um aconchego, uma sensação de abraço.
A luz expande e, como uma rajada de vento abrindo a janela fechada, ela entra e ilumina tudo.
O ar fica mais limpo, mais fresco.
O vento, que antes parecia uma brisa, agora parece mais um tornado.
Coisas voam, gavetas rodopiam.
Livros são folheados em segundos e páginas se destacam.
Frases entram em colapso espiralítico.
Palavras se separam das letras.
E sensações das palavras.
O ego se apega. Se agarra. Grita, chora, coça, ameaça.
A luz agora já rompeu todas as barreiras da matéria.
A alma finalmente sorri e se liberta.
Múltiplas cores e formas geométricas.
Tempo e espaço não existem mais.
Silêncio. Silencioso silêncio.
Faxina mental.
Leveza de Ser.
O ar está mais puro. O sorriso mais fácil. O olhar mais sincero.
Ah.. . . como é bom o silêncio!!
"In silence and waiting something of you goes on growing - your authentic being"
Sunday, September 21, 2014
Sunday, September 7, 2014
Campo de refugiados tibetanos - dia 7
Hoje foi um dia intenso e estranho! Acordei cedo, como sempre. com a mãe de Dolkar cantarolando (agora sei que não é música, mas sim oração! ehehe), comi o café da manhã e me preparei para ir à Jonson ver se a autorização para eu ficar aqui saiu.
Uma hora a pé tentando meditar na beleza deste lugar e refletindo sobre a minha paciência e tolerância para com os outros.
Decidi ir direta ao office antes de fazer qualquer outra coisa. À caminho me pararam num police check point. "Namastê. Show me your permit". ("Olá, me mostre a sua permissão" - estou a 4 mil metros de altitude dentro do Anapurna Circuit, um circuito famoso de trekking para o qual os turistas precisam dessa suposta permissão, no valor de 4 mil rupias nepalesas, mas como eu não fui fazer o trekking e não subi com guias e agências turísticas, e sim com ônibus de nativos, pelo caminho dos nativos, em nenhum momento precisei desse documento).
Decidi ir direta ao office antes de fazer qualquer outra coisa. À caminho me pararam num police check point. "Namastê. Show me your permit". ("Olá, me mostre a sua permissão" - estou a 4 mil metros de altitude dentro do Anapurna Circuit, um circuito famoso de trekking para o qual os turistas precisam dessa suposta permissão, no valor de 4 mil rupias nepalesas, mas como eu não fui fazer o trekking e não subi com guias e agências turísticas, e sim com ônibus de nativos, pelo caminho dos nativos, em nenhum momento precisei desse documento).
Bom, respirei fundo e tentei explicar que estava indo ao posto do Governo para receber a resposta sobre uma autorização de ficar no campo de refugiados tibetanos. Expliquei que não estava ali para o trekking e sim para uma resposta do governo nepalês.
Mesmo assim, sem chance. A grosseria e a rispidez do policial, que não fez nenhum esforço para compreender que estava com outras intenções começou a me abalar e a me intimidar até. A tristeza e o desespero começaram a invadir o meu coração. Lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto, sem a minha autorização.
Saí da polícia, voltando para trás tentando não deixar que a raiva entrasse no meu coração, mas com uma enorme sensação de frustração.
Decidi tomar um café para colocar as ideias no lugar. Afinal não podia voltar ao campo sem a resposta do governo nepalês, mas sem o tal papel não conseguiria passar do check point da polícia. Fui para um cafézinho pequenino e bem simples e sentei com um café numa das mesas.
Pouco tempo depois de estar ali sentada veio um tibetano, que à princípio pensei que fosse nepalês, conversar comigo. "Você está bem? Porquê chorou?". Eu devia estar o rosto ainda vermelho de raiva e das lágrimas de frustração. Contei-lhe então o porquê, explicando que precisava chegar no escritório do governo nepalês para receber essa resposta para poder continuar no campo de refugiados. Abri meu coração a ele, nem sei bem porquê. E, emotiva como sou, no meio de tudo o que eu falava, as lágrimas desciam, novamente sem serem convidadas.
Pouco tempo depois de estar ali sentada veio um tibetano, que à princípio pensei que fosse nepalês, conversar comigo. "Você está bem? Porquê chorou?". Eu devia estar o rosto ainda vermelho de raiva e das lágrimas de frustração. Contei-lhe então o porquê, explicando que precisava chegar no escritório do governo nepalês para receber essa resposta para poder continuar no campo de refugiados. Abri meu coração a ele, nem sei bem porquê. E, emotiva como sou, no meio de tudo o que eu falava, as lágrimas desciam, novamente sem serem convidadas.
No fim da nossa conversa já uns 3 ou 4 nativos participavam, dando palpites e opiniões. Por fim, disseram que me levariam até ao check point onde intercederiam por mim. Então lá fomos nós, eu, escoltada por mais quatros homens pequeninos e bondosos. Chegamos no check point e eles falaram com o policial que com cara feia me deixou passar.
Consegui chegar no tal do office. Meu coração estava acelerado, mas estava feliz por ter conseguido chegar até ali.
A sala era grande, bem grande e tinha só uma secretária bem no meio. Atrás dela um homem bem pequeno, quase só dava para ver os seus olhinhos. Uns dois guardas ficavam em pé do lado da secretária em postura de sentinela.
Me aproximei e falei que tinha pedido autorização para ficar no campo de refugiados, onde trabalharia com as crianças durante um mês. Falei o quanto admirava aquele povo e que sentia que poderia contribuir bastante com a minha presença ali. E que estava ali para saber da resposta do governo nepalês.
O homem fez um baralho estranho que parecia ser uma risada irônica, não tenho bem a certeza, e disse: "O que você, uma turista branca, acha que pode fazer por um povo atrasado como eles? Pra começar você teria que pagar o documento de permissão do circuito. Depois teria que pagar uma propina boa para mim", e fez aquele barulho irritante de novo.
Comecei a pensar em quanto ficaria aquela brincadeira, mas estava até disposta a pagar, pois sabia que uma experiência assim não tem preço.
Mas aí ele continuou: "Mas mesmo que a propina fosse boa, não posso te deixar ficar. Hoje em dia são as ONGs que fazem o voluntariado e mandam os turistas pra cá. E a propina que eles me pagam é muuuuuuuito boa. Por isso, desça até Pokhara e compre o seu «passaporte» na ONG para fazer voluntariado. E não se esqueça de trazer a minha propina extra." . Sinistro.
Comecei a pensar em quanto ficaria aquela brincadeira, mas estava até disposta a pagar, pois sabia que uma experiência assim não tem preço.
Mas aí ele continuou: "Mas mesmo que a propina fosse boa, não posso te deixar ficar. Hoje em dia são as ONGs que fazem o voluntariado e mandam os turistas pra cá. E a propina que eles me pagam é muuuuuuuito boa. Por isso, desça até Pokhara e compre o seu «passaporte» na ONG para fazer voluntariado. E não se esqueça de trazer a minha propina extra." . Sinistro.
A raiva invadiu de novo a minha alma. Passaram pela minha cabeça milhões de coisas inteligentes e insultivas para lhe dizer. Respirei fundo e guardei a minha raiva para mim mesma.
Sai daquela sala nojenta com o coração pequenino. Peguei o caminho de volta para casa, com a cabeça baixa, quando o tibetano que conversou comigo antes parou na minha frente e me perguntou: "E ai? Conseguiu?", perguntou com um sorrisão no rosto.
Olhei nos seus olhos e não consegui dizer nada. Apenas chorei, chorei muito.
Ele, tadinho, ficou sem saber o que fazer. Me levou ao mesmo cafézinho e pediu um copo de água. "Vai ficar tudo bem, não se preocupe. Toma." E me deu uma foto do Dalai Lama, que segundo ouvi dizer é o presente mais precioso que se pode oferecer à alguém, dentro da cultura tibetana. Fui me acalmando e senti uma gratidão tão grande por esse povo, essas pessoas tão lindas, que me ensinaram tanto. Agradeci a ele e disse que quando sai do escritório do governo meu coração estava pequenininho. E que agora, graças à ele, com seu carinho e sincera preocupação, ele estava um pouquinho maior.
Ele, tadinho, ficou sem saber o que fazer. Me levou ao mesmo cafézinho e pediu um copo de água. "Vai ficar tudo bem, não se preocupe. Toma." E me deu uma foto do Dalai Lama, que segundo ouvi dizer é o presente mais precioso que se pode oferecer à alguém, dentro da cultura tibetana. Fui me acalmando e senti uma gratidão tão grande por esse povo, essas pessoas tão lindas, que me ensinaram tanto. Agradeci a ele e disse que quando sai do escritório do governo meu coração estava pequenininho. E que agora, graças à ele, com seu carinho e sincera preocupação, ele estava um pouquinho maior.
Na caminhada de volta ao acampamento fui dissolvendo os sentimentos ruins e relembrando toda a beleza que senti nessas montanhas.
Almocei com Dolkar e conversamos serenamente sobre a infelicidade de eu ter de partir. Sinto que a pouco e pouco nos tornamos boas amigas, apesar de culturas tão diferentes...
Depois fui à escola para me despedir das crianças e tirar fotos delas todas. Pedi aos professores que explicassem por mim que amanhã irei embora e porquê. A professora perguntou se eu queria dar a última aula do dia, com a mesma turma que eu tinha começado.
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Ela saiu e mais uma vez tenho 26 olhinhos confusos a olhar para mim. Tento conter as lágrimas que não queriam parar de cair e eles espontaneamente começam a cantar a música que lhes ensinei. Tão lindos!
Uma das meninas começou a chorar e 2 ou 3 seguiram o exemplo. Eu pedia por favor, não chorem, sorriem, estou tão feliz por vos ter conhecido, vocês são lindos e inteligentes.
Eles, claro, não entendiam metade do que eu dizia, mas o lindo Suresh entendeu que eu não queria que eles chorassem e começou a cantar ainda mais forte e a dançar.
Disse-lhes para virem para frente e cantar. Os dois primeiros foram Suresh e Tsomo, os meus preferidos dessa turma. Cantando a letra direitinho e na melodia certinha e ainda fazendo os passos da coreografia que eu ensinei no primeiro dia. Meu coração transbordou de alegria!
Eles, claro, não entendiam metade do que eu dizia, mas o lindo Suresh entendeu que eu não queria que eles chorassem e começou a cantar ainda mais forte e a dançar.
Disse-lhes para virem para frente e cantar. Os dois primeiros foram Suresh e Tsomo, os meus preferidos dessa turma. Cantando a letra direitinho e na melodia certinha e ainda fazendo os passos da coreografia que eu ensinei no primeiro dia. Meu coração transbordou de alegria!
Foi duro, muito duro e para parar com a tristeza que parecia contagiante disse para irmos lá para fora brincar de pega-pega. Foi muito divertido!
( . . . )
Não se pode prometer nada à uma criança, pois ela nunca esquece! Disse-lhes que à tarde, depois da escola, brincaria com elas, mas estava com muita dor de cabeça, de ter chorado tanto, e entretida escrevendo que nem lembrei da promessa. Não é que quando olho estou rodeada por seis crianças com um sorrisão gritando: "Play? Play?!". Tive que ir!!
Primeiro, brincamos de pega-pega dentro da escola, depois de escondidinha por todo o campo e por fim elas acabaram me mostrando os terrenos todos do campo, que é bem maior do que eu pensava!!
Em cada árvore um deles subia que nem macaco, pegava uma fruta, ainda verde e me dava. Cada hora era um que me puxava e gritava o meu nome: "Come! Come!". Num inglês fluente, como nunca ouvi nas minhas aulas, me levaram à cachoeira, à pedra gigante, ao tanque de água, ao mini templo onde me fizeram rezar.... Foi mágico!!
Quando dei por mim já era de noite, os pais brigando porque as crinças não fizeram o trabalho de casa e a minha dor de cabeça já não existia.
À caminho de casa, com Tsomo pendurada nas minhas costas, elas me fizeram parar na casa delas. Queriam que eu conhecesse os pais, tomasse chá tibetano com a mãe, mostrar fotografias...
Lindo, acolhedor, gratificante demais!
Em cada árvore um deles subia que nem macaco, pegava uma fruta, ainda verde e me dava. Cada hora era um que me puxava e gritava o meu nome: "Come! Come!". Num inglês fluente, como nunca ouvi nas minhas aulas, me levaram à cachoeira, à pedra gigante, ao tanque de água, ao mini templo onde me fizeram rezar.... Foi mágico!!
Quando dei por mim já era de noite, os pais brigando porque as crinças não fizeram o trabalho de casa e a minha dor de cabeça já não existia.
À caminho de casa, com Tsomo pendurada nas minhas costas, elas me fizeram parar na casa delas. Queriam que eu conhecesse os pais, tomasse chá tibetano com a mãe, mostrar fotografias...
Lindo, acolhedor, gratificante demais!
No fim do dia meu coração não podia estar maior e cheio de alegria!!
Em casa já, com Dolkar conversamos um pouquinho e a pouco e pouco, uma à uma, as crianças foram aparecendo por lá, umas trazendo bombons, outras 5 rupias (é tradição no Tibete dar dinheiro para quem parte para tomar um chá na caminhada...) e me dando a "khata" (um lenço branco que se coloca no pescoço quando alguém querido parte por um longo tempo).
Não consegui evitar as lágrimas de alegria que não paravam de cair. A doce Dolkar também começou a chorar. E foi tão linda me dizendo como sentia que eu era como uma irmã para ela. Depois as crianças foram indo, uma à uma também embora felizes por terem me conhecido e eu ainda mais por ter recebido o carinho e o respeito delas.
Agora já escrevo de Pokhara, depois de um looooooooongo dia de viagem (são 10h da noite, saí do campo às 6h da manhã!! Ufa...!). Estou um pouco triste por não ter podido ficar mais tempo naquele lugar abençoado e muito nostálgica da vida que estava tendo. Mas sinto meu coração pleno de amor e a minha alma um pouco mais sábia com a sabedoria que aprendi com aquele povo.
Entendo agora, meditando neste quarto na cidade, o grande aprendizado desta jornada... Não foi para eu ajudar os outros, fazendo um trabalho voluntário, me sentindo útil em um lugar onde "precisam" de mim....... Mas a grande verdade é que eu sim, fui ajudada, abraçada e acarinhada por todas essas pessoas que me amaram do jeito que eu sou, e eles sim, me ensinaram e me acolheram... eles sim fizeram o verdadeiro trabalho humanitário e não o contrário.
Grata, muito grata. Tashi delek!
Entendo agora, meditando neste quarto na cidade, o grande aprendizado desta jornada... Não foi para eu ajudar os outros, fazendo um trabalho voluntário, me sentindo útil em um lugar onde "precisam" de mim....... Mas a grande verdade é que eu sim, fui ajudada, abraçada e acarinhada por todas essas pessoas que me amaram do jeito que eu sou, e eles sim, me ensinaram e me acolheram... eles sim fizeram o verdadeiro trabalho humanitário e não o contrário.
Grata, muito grata. Tashi delek!
21.05.09 - Tibetan Settlement (Marpha, Nepal)
Saturday, September 6, 2014
Campo de refugiados tibetanos - dia 6
Acabei de ler um livro incrível: "Ama Adhe, The Voice that Remembers". É a história contada na primeira pessoa de uma refugiada tibetana. Tudo o que passou, desde a livre infância nas montanhas férteis no Tibete de leste até a chegada dos primeiros soldados chineses, à consequente ocupação, emprisionamento e tortura.
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Sinto-me bem por estar aqui e sei que de algum modo estou contribuindo ainda que de forma muito pequena para esta comunidade.
Mas aqui são poucos os que vieram do Tibete, a maioria nasceu já aqui, onde vivem livres, numa comunidade harmoniosa onde a sua religião e tradições são respeitadas.
Não é fácil socialmente se desenvolverem porque não são considerados cidadãos no Nepal e não é fácil conseguirem trabalho fora dos campos de refugiados (sem falar do preconceito de muitos nepaleses para com eles e do exército que atira para matar na fronteira com a China).
Ainda assim, dentro desses muros eles são livres para expressarem a sua pureza, a sua sinceridade e a sua hospitalidade. Vê-se um sorriso no rosto deles, uma serenidade ao repetir as palavras de Dalai Lama. Aceitam a sua condição e esperam por um Tibete livre, mas sem violência. É bonito ver como vivem, mas me angustia a alma imaginar o que milhares passaram e ainda estão passando sob o domínio chinês e, pior ainda, sob o olhar do mundo inteiro globalizado...
Não é fácil socialmente se desenvolverem porque não são considerados cidadãos no Nepal e não é fácil conseguirem trabalho fora dos campos de refugiados (sem falar do preconceito de muitos nepaleses para com eles e do exército que atira para matar na fronteira com a China).
Ainda assim, dentro desses muros eles são livres para expressarem a sua pureza, a sua sinceridade e a sua hospitalidade. Vê-se um sorriso no rosto deles, uma serenidade ao repetir as palavras de Dalai Lama. Aceitam a sua condição e esperam por um Tibete livre, mas sem violência. É bonito ver como vivem, mas me angustia a alma imaginar o que milhares passaram e ainda estão passando sob o domínio chinês e, pior ainda, sob o olhar do mundo inteiro globalizado...
Comidas típicas:
Balep - pão típico, café da manhã e almoço (tipo chapati) ; massa: farinha, água, óleo e sal
A farinha geralmente é de cevada moída
(crédito da foto: www.yowangdu.com)
Thukpa - macarrão com carne, bem molhadinho, tipo sopa de macarrão e vegetais. A carne seca geralmente é de iaque, ovelha ou cabra.
(crédito da foto: www.eastwestrealm.com)
Momo - de vegetais e de carne (geralmente carne picada e cebola picada); massa: farinha água e fermento
(crédito da foto: www.yowangdu.com)
Pêncha - o chá tibetano - infusão de chá preto, misturado com sal e manteiga de iaque num recipiente próprio
(crédito da foto: auctionata.com)
20.05.09 - Tibetan Settlement (Marpha, Nepal)
Thursday, September 4, 2014
Campo de refugiados tibetanos - dia 4
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Hoje foi o último dia do festival, que dura 8 dias. Muitos vêm de outros campos para participar nos jogos. Há comida e bebida para todas. Há sorrisos e alegrias.
Não consegui entrar na minha rotina de Yoga e meditação, mas também aqui o tempo é diferente e as horas de sol, ou melhor, de não frio, são as horas que passo na escola. Mas mesmo assim estou plena (e cheia de comida também!), é um lugar mágico!
Aprecio esta cultura, a harmonia com que eles vivem entre eles, a alegria que compartilham. É curioso ver também como os jovens se comportam. De um lado, os rapazes todos estilosos sentam em grupo, bebem e fumam. Do outro, as meninas, também super estilosas, ajudam as mães e tias na cozinha e trocam olhares e risinhos. Falam deles muito provavelmente e há todo um jogo, sútil suficiente para os mais velhos não notarem.
A minha presença não faz com que nenhum comportamento se modifique. É como se fosse uma pequena mosca apreciando tudo de perto, mas sem que a minha presença altere seja o que for.
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O fim dos jogos normalmente é celebrado com conto e danças tradicionais. Esperei ansiosamente por isso a tarde inteira de máquina em punho. Mas o fim veio e eles me explicaram que não houve música em respeito ao que está acontecendo no Tibete. Este ano eles nem celebraram o ano novo (24 de Fevereiro) por causa disso.
Hoje de manhã li o jornal "Human Rights" e me arrepiei com as histórias que ali vinham. Um povo tão doce, com uma cultura tão bonita e pacífica a ser tratado desta forma é absolutamente revoltante. E pensar que eles partiram em exílio e se tornaram refugiados em 1959, há 50 anos!! E mesmo assim há relatos de tortura e humilhação para com os que ainda ali vivem. Sem falar da descriminação que eles também passam aqui no Nepal (e provavelmente também na Índia e nos outros países onde se refugiaram....). Fiquei com uma vontade enorme de estudar profundamente chinês e tibetano e abraçar a causa com a minha alma. Sei que é muito pouco provável eu ir ao Tibete e fazer tudo o que me veio à cabeça enquanto lia o pequeno jornal. Mas sei também que não vou ser mais indiferente e vou fazer o que puder para divulgar, não só o sofrimento, mas sobretudo a beleza desse povo.
São talvez 8h da noite. O silêncio impera lá fora, só interrompido pelas fortes rajadas de vento, que são constantes a essa altitude. Estou cansada, mas plena de alegria, compaixão e amor. Vou dormir daqui a nada, mais uma vez muito grata por esta oportunidade de aqui estar e aprender com eles.
Boa noite.
"The impossible can be possible with will power."
H.H. Dalai Lama
18.05.09 - Tibetan Settlement (Marpha, Nepal)
Wednesday, September 3, 2014
Campo de refugiados tibetanos - dia 3
Os dias aqui passam num ritmo diferente. Acordo, o sol ainda mal nasceu, com a mãe de Dolkar cantarolando pela casa, limpando e preparando o chá para o café da manhã (ainda não me acostumei com esse chá tibetano, com sal e manteiga!!). Custa um pouco abrir os olhos e sair debaixo dos cobertores com o frio que entra pela janela sem vidro.
Bom, hoje foi o primeiro dia com aulas. Às 08.50h os professores se reúnem do ado de fora da escola, onde cerca de 30 crianças com uniformes europeus se organizam em filas e meio como um pequeno exército cantam músicas e lêm textos. Muito surreal esta manhã.
Falo com a "head master" (tipo diretora) que me diz que se eu não ficar pelo menos 3 meses não há nada que ela possa fazer por mim, até porque o cargo de professora de inglês já está tomado.
Eu compreendo perfeitamente a sua posição e sei que é muito pouco uma ajuda de algumas semanas. Começo então a me mentalizar que terei que ir embora, com uma grande tristeza por não poder aprender mais, conviver mais com esse povo tão bonito, quando a dita professora de inglês se levanta de rompão. Ela diz que se for por ela, posso ficar, que sempre é uma oportunidade para as crianças conhecerem alguém de fora, com disposição para estar aqui e participar, mesmo que por pouco tempo.
O sino da escola soa e ela me conduz para uma sala. 13 alunos com os olhos bem abertos e sorrisos escancarados. Eles se levantam e colocam as mãos unidas na frente do peito (em namasté) e em coro gritam bem desafinados: "Good morniiiiiiiiiiiiing miss!!!!!".
Não consigo tirar o sorriso do rosto e a felicidade me invade a alma, mas a verdade é que não sei bem o que fazer! Ela faz a chamada e depois olha para mim e diz: "Faz qualquer coisa. Eles gostam de música e de rimas." E sai da sala.
Certo. Aqui estou estou com 26 olhinhos a olhar para mim expectantes. Respiro fundo. Gostam de música? Me lembro da música "Standing like a tree, standing so free"
Eles adoram!! Até juntei uma pseudo coreografia. Foi cômico e muito gratificante.
O sino toca, acabou a aula. Saio da sala ainda meio desorientada e a mesma professora me guia para outra sala. Desta vez são 3 alunos, bem pequeninos, de uns 3 ou 4 anos. Me desdobro em mil para conseguir me fazer entender e dar-lhes alguma coisa interessante para fazer.. . Sino toca de nov. 10 minutos de intervalo. Ufa! Vou para a sala dos professores e aquela mesma professora vem me mostrar o meu horário de classes. Todo o dia das 9h às 3h. Estou feliz, mas não esperava tanto. Sinto uma certa responsabilidade, afinal sempre acreditem que a educação é uma das bases mais importantes no crescimento de uma criança e há professores que mudam a vida de alguns. Ser professor é ter um dom, uma missão.
O resto do dia correu bem (bem mais rápido e menos doloroso do que eu esperava!!). O último período foi exatamente com a mesma turma que comecei o dia. Depois do "good morning miss" em uníssono ele começaram a cantar certinho a música que lhes havia ensinado, Rendida, me sentei na cadeira e deixei que eles fizessem o que quisessem por 40 minutos. Decidimos então desenhar a árvore livre da música, grande e bonita. Vieram todos me trazer o desenho no final da aula e pedi para que escrevessem seus nomes (não vai ser fácil decorar, além de muito esquisitos, muitos têm nomes parecidos!!)
Acabei o dia preenchidíssma e com um livro de Dalai Lama que peguei emprestado da biblioteca da escola. Fui meditar um pouquinho fora do campo onde só se ouve o vento a uivar na montanha e se sente o frio gelado trazido dos picos sagrados.
A pouco e pouco me deixo absorver por esta vida fora do tempo e fora do espaço. Às vezes a minha mente divaga em quanto mais ficarei por aqui, até porque ainda preciso da aprovação do governo nepalês na cidade.
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Sou grata por esta oportunidade. A cada dia que passa procuro me tornar uma pessoa melhor.
O resto, aquelo que não posso mudar, tenho que aceitar simplesmente como é.
O resto, aquelo que não posso mudar, tenho que aceitar simplesmente como é.
Ler Dalai Lama tem me ajudado imenso a compreender os meus "desequilíbrios". Só hoje li um livro inteiro, não consegui parar. Estou ganhando mais consciência e trabalhando, através da meditação, a minha tolerância e a minha paciência.
Agora são talvez umas 8 horas da noite. Estou cansada como se fosse duas da madrugada. Vamos jantar provavelmente momos ou arroz, batata e carne,
Comer e dormir, para amanhã acordar com mais um nascer do dia!
Thukjiche.
"I feel that the essence of all spiritual life is your emotion, your attitude toward others. Once you have pure and sincere motivation, all the rest follows. You can develop this right attitude toward others on the basis of kindness, love and respect, and on the clear realization of the oneness of all human beings."
H.H. Dalai Lama
17.05.09 - Tibetan Settlement (Marpha, Nepal)
Tuesday, September 2, 2014
Campo de refugiados tibetanos - dia 1
Estou tão feliz e grata por poder estar aqui! Não foi fácil a jornada até aqui em cima e a constante dúvida se poderia ficar ou não (e ainda não tenho a certeza disso....!) fez com que o sim de Norbu fosse ainda mais especial!
Hoje mudei as minhas coisas para a casa de Dolkar, uma linda menina de 25 anos que mora com a mãe. Uma menina/ mulher com coração e alma de criança.
Há algo acontecendo no campo, como um campeonato de arco e flecha e muitos vieram de fora, de outros campos de refugiados para participar.
As mulheres estão busy busy cozinhando e fazendo chá. Mãos à obra, então! Sentei-me com elas e aprendi a fazer momo e ajudei no que pude.
As crianças gradativamente começam a ter menos medo de mim e no fim do dia já não desgrudam, pulando em cima de mim e me dizendo milhões de palavras em inglês e depois em tibetano.
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Entretanto a mãe voltou para a casa e ela teve que ir à vendinha fechar as contas.
A mãe dela fala pouco inglês, tanto quanto eu falo pouco hindi, por isso a comunicação é mais por gestos do que qualquer outra coisa. É impressionante como estou aprendendo a ficar em silêncio. A ficar bem sem entender tudo o que está acontecendo à minha volta.
Já durante a tarde maravilhosa que passei ajudando as mulheres senti isso. Todos falavam ao meu redor, algumas vezes sobre mim, consegui entender isso, mas não compreendia uma palavra.
Acho que devagarinho vou aprender um pouco de tibetano, mesmo assim é muito bom esse silêncio forçado, esse falar com o olhar.... e uma ótima oportunidade para aprender a ouvir.
É mágica a energia que se sente aqui, a harmonia e simplicidade com que eles vivem. Há paz e serenidade no olhar deles. São sábios e sinceros. Quero muito entrar mais a fundo nesta cultura, neste jeito de viver. Espero poder ficar aqui um mês inteiro....
Vou agora jantar, nem sei bem o quê. Apenas sei que voltei a comer carne, até porque a alimentação aqui é basicamente a base de carne. Há vários pedaços de carne secando em uns varais improvisados que atravessam a sala. Um pouco sinistro, mas cultural, vai fazer o quê? Estamos a mais de 4 mil metros de altitude. A comida aqui é escassa e difícil de chegar nessas encostas geladas.
Além de voltar a comer carne, tenho também experimentado coisas estranhas que nunca pensei antes! O chá tibetano que a primeira impressão é a coisa mais horrível do mundo, afinal não é tão mau assim, é só chá salgado..... e também snifei um pózinho amarelado que a mãe me deu e que por gestos eu acho que entendi que fazia bem ao nariz entupido à respiração, estilo rapé.
Experiências novas, sensações novas, alimentos novos..... fascinante essas descobertas, mesmo sentindo às vezes que estou por fora, não entendendo nada e totalmente estranha a eles, uma alienígena, me sinto também acolhida e humildemente começo a sentir-me pertencer...
15.05.09 - Tibetan Settlement (Marpha, Nepal)
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