“O teatro é a poesia que sai do livro e se faz humana” – Frederico Garcia Lorca
Por Deborah Penna
O teatro é fundamental na formação cultural, transmite conhecimento e desperta emoções. É uma manifestação de arte que acompanha a humanidade desde o homem primitivo, com suas danças e rituais associados à caça, colheita e práticas lúdicas, passando por Platão, que usou também o teatro com caráter educacional e chega ao Brasil com os jesuítas e a catequização dos índios.
A palavra “teatro” deriva dos verbos gregos “ver, enxergar”, ver o mundo, se ver no mundo, se perceber, perceber o outro e a sua relação com o outro.
O teatro, inserido na pedagogia, é essencial para a criança aprender valores, compreender o comportamento social e moral e se relacionar com os outros.
O Artes Cênicas, na sua décima edição, trouxe ao público peças de 10 escolas que participaram do evento. As crianças, maravilhadas pelo mundo do faz-de-conta, deslumbraram e foram deslumbrantes.
O festival contou com a apresentação dos alunos da Escola Esperança – APAE, que abriram as apresentações do segundo dia do evento, na terça feira, 27 de outubro. Eles apresentaram a peça “As Águas de Lourenço”, encantando todos os presentes. Apresentaram-se também os alunos da Escola Municipal Manoel Monteiro, Ida Mascarenhas Lage e Ismael Junqueira de Souza; os alunos do Cemei Profa. Noêmia Goulart Ferreira e do COC Gênesis de Educação e Cultura.
O evento foi realizado pela Secretaria de Turismo, Esporte e Cultura e Diretoria de Cultura, na semana de 27 a 31 de outubro, no auditório da Sociedade Brasileira de Eubiose, em São Lourenço.
Alunos do CEMEI Carolina abrem Festival de Artes Cênicas - Instituição foi a única representante da educação infantil de 0 a 3 anos a fazer apresentação
O CEMEI Carolina Forastiere Junqueira – Mãe Grande foi a primeira escola a se apresentar no X Festival de Artes Cênicas, abrindo o certame no dia 27 de outubro.
A apresentação aconteceu às 18:00h no auditório da Eubiose e contou com casa cheia, com um público misto, tanto de familiares, amigos e convidados, como autoridades públicas e curiosos.
A diretora da escola, Alcione de Almeida Carvalho, conversou com o Correio do Papagaio e falou sobre o desafio de participar em um festival de teatro com crianças tão pequenas e sobre as propostas educativas da creche, que tem a valorização da cultura e da arte como um de seus objetivos pedagógicos.
A peça é um texto original intitulado “E o Medo Acabou!”, escrito por Rosilda de Fátima dos Santos Rodrigues, educadora da instituição e contadora de histórias e representa a culminância de todo o trabalho desenvolvido durante o ano.
“Nós percebemos após a sondagem que fazemos no início do ano que eles tinham muito medo: medo do escuro, medo de bicho papão, medo de bruxa, medo de lobo”, explica a diretora. “Então decidimos trabalhar em cima disso. Trabalhando a questão do bem, do amor ao próximo e fomos por meio dos contos de fadas, apresentando as figuras que representavam o medo, ora com fantoches, ora com contação de historia ou com pequenas dramatizações”, continua.
No meio do ano a equipe de trabalho decidiu em conjunto participar do Festival de Artes Cênicas, sendo a única escola a participar do certame com crianças de 0 a 3 anos. Apresentaram a peça de autoria própria “E o Medo Acabou!”, que narra a trajetória de uma criança que ganha coragem para vencer seus medos através da leitura e do amor e aprende a importância de estar perto das pessoas que a amam.
A escola montou todo o cenário, a grande maioria com materiais reutilizados, e contou com o diferencial da participação tanto dos educadores como dos alunos no palco. “Porque essa é a marca da instituição: educar pelo exemplo”, explica a psicopedagoga.
A peça foi apresentada em dois atos e as crianças e educadores deram um verdadeiro show de teatro. Para Alcione o olhar nos pais das crianças foi muito gratificante. “Isso é a proposta da Carolina, é despertar esse brilho que às vezes se perde”, esclarece.
“Coisas de Carolina”
A escola iniciou suas atividades letivas em 4 de fevereiro de 2013, após ser municipalizada. Alcione de Almeida Carvalho foi convidada a trabalhar na direção da escola e desde então trabalha com a intenção de cuidar e de semear amor.
“O ano de 2013, principalmente o primeiro semestre, foi o momento de mostrarmos o que era o Carolina, qual o trabalho que gostaríamos de fazer, o que era a nossa intenção real aqui dentro. E era um desafio ganhar a parceria das família, que é fundamental para o papel da escola”, relembra a diretora.
O projeto de trabalho de 2013 foi todo voltado para a cultura e o de 2014 teve como tema “Brasil, meu Brasil brasileiro” onde foi trabalhada bastante a arte de Romero Brito, reforçando a importância da arte e cultura no projeto pedagógico da escola.
A proposta do CEMEI Carolina é diferente e isso reflete nas próprias festas oficiais da escola.
“Não fizemos festa do dia das mães. Fizemos a 'Festa da Família', pois a nossa intenção era homenagear quem está perto da criança e cuida com amor e carinho dela, que é o mais importante; independente de quem seja. Então fizemos homenagem aos pais, avós, tias e amigos”, explica Alcione. Na ‘Festa da Família’ a lembrancinha que os alunos levaram foi uma semente, para toda a família cultivar e cuidar da planta.
“São pequenas sementes que a gente vai jogando que eu gosto muito de chamar de ‘coisas de Carolina”, explica.
Desde 2013, a instituição começou o trabalho com o resgate da música infantil, apresentações culturais e resgate folclórico das canções, através da Palavra Cantada, Bia Bedran, Chico e Vinicius para crianças; ferramentas que valorizam a cultura e agregam valores essenciais à formação humana.
“Porque a música desperta as emoções”, explica Alcione. “A intenção do Carolina é essa: semear, cuidar. Porque gentileza gera gentileza... propiciar vivências humanas, culturais, brincadeiras, brinquedos, jogos, brinquedos cantados, encenações.”, acrescenta a diretora.
A instituição se orgulha de ter sido o único CEMEI a enviar representação à Bienal do Livro nos anos de 2013 e 2014, proporcionando um aumento no seu acervo de livros, todos escolhidos com cuidado e direcionado ao trabalho da escola. “Adquirimos muitos títulos que abrangem um trabalho em todas as áreas, tanto contos, como histórias que podem trabalhar as vivências diárias que têm dentro de casa, como o medo, como a separação, como a alimentação; e também títulos que trabalham as questões que aparecem no dia-a-dia escolar, como a briga pelo brinquedo, ou a briga pela vez ao balanço”, esclarece a diretora.
Para os alunos do maternal a escola faz empréstimo dos livros, para estimular também a leitura em casa.
O trabalho pedagógico cultural tem sido o foco da equipe de trabalho, que, segundo a diretora, é motivada e participativa. Há um trabalho continuado com toda a equipe, que já participou de formação base de primeiro socorros com o Corpo de Bombeiros, formação com fonodióloga, com psicóloga e todo o mês se dedica a aprender mais para melhor cuidar.
“Os detalhes não podem apagar aquilo que é o mais importante que a gente tem, que é a semeadura, que é despertar o outro para o bonito, para o bom, para o belo, para a partilha. Porque o mundo está tão distante disso, o carinho e a gentileza estão perdendo tanto espaço”, ressalta a psicopedagoga. “Vamos mostrar para eles que existem outras propostas, outras músicas, outros filmes, outros vídeos, outras formas de tratar as pessoas”.
E é pelo exemplo que se mudam os conceitos e se apresentam novas formas de estar na vida. A diretora enfatiza a importância desse cuidado, desde quem está preparando e serve o alimento até às educadoras que passam todo o dia com as crianças. “Tudo o que acontece dentro do ambiente escolar é educativo, tudo é formador. A forma como eu sirvo o prato para uma criança, pode ser com um sorriso, com uma delicadeza e pode não ser. E isso vai fazer diferença no comportamento da criança”, esclarece ela.
Após estes dois anos de trabalho e realizações o CEMEI conseguiu conquistar a parceria das famílias e a procura por vagas na instituição tem crescido bastante.
Hoje em dia, o CEMEI Carolina Forastiere Junqueira – Mãe Grande recebe 126 alunos, distribuídos em 9 turmas, do berçário até ao maternal e é a primeira equipe municipal a atuar na instituição, localizada na rua Coronel Justino, no centro da cidade.
Projeto Crer-Ser apresenta adaptação ousada de Os Saltimbancos - No dia 30 de outubro o auditório da Eubiose literalmente “transbordou” com a apresentação do Projeto Crer-Ser
A peça movimentou cerca de 70 pessoas do Projeto trabalhando em conjunto para a realização desse grande momento. A apresentação no Festival de Artes Cênicas foi uma adaptação do musical Os Saltimbancos e lotou o auditório da Eubiose, com 500 pessoas, sendo que a capacidade do espaço é de 300.
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O público vibrou com a apresentação, aplaudindo de pé os atores ao final da peça. Além da genialidade do texto e da interpretação majestosa dos atores, a apresentação contou também com todas as músicas executadas ao vivo e com a inserção das oficinas do Projeto adaptadas à história da peça.
O trabalho para concretizar Os Saltimbancos foi longo e o jornal Correio do Papagaio conversou com a diretora-geral da peça, atriz e professora Morena Lua Gurgulino para conhecer melhor todo o trabalho por detrás da cena.
“Foi um processo muito grande, muitos meses de ensaio. São muitas crianças e muitas oficinas. Foi uma noite especial, não só para o Projeto Crer-Ser, mas eu acho que para a cidade de São Lourenço”, disse.
Os Saltimbancos é um musical inspirado no conto “Os músicos de Bremen”, dos Irmãos Grimm, que foi adaptado pelo letrista italiano Sergio Bardotti e depois traduzido e adaptado por Chico Buarque, em 1977. Apesar de ser um musical infantil é também uma alegoria política com várias mensagens e apelos sociais e de justiça, duplos sentidos e críticas veladas, que numa época de ditadura militar usou os animais como figuras porta-vozes contra o regime. Mesmo tendo sido adaptada por Chico Buarque aqui no Brasil num tempo de repressão, para a diretora-geral, Morena, o seu conteúdo é ainda atual.
“A função da arte é política. E isso é uma coisa que eu aprendi e levo para a vida”, esclarece. “Para cada palavra política que o texto fala, nós temos uma sonoplastia específica. Cada mensagem de classe, de política. Isso foi conversado com os meus alunos e isso foi colocado para eles. E eles entenderam o quanto isso era relevante dentro dessa montagem. O trabalho de mesa, o trabalho de pesquisa feito atrás da coxia, foi importante e transformador”, explica.
O musical conta a história de quatro animais, o jumento, a galinha, a gata e o cachorro, que decidem fugir de suas casas por serem maltratados por seus donos e partir em busca da liberdade na cidade. A professora de teatro explica o porquê da escolha dessa peça para a apresentação no Artes Cênicas.
“É uma peça que faz parte do inconsciente da minha geração. Além de ser um musical ela é uma peça política. Além disso, ela tem uma mensagem que é a mensagem do Crer-Ser, que é essa questão de ‘todos juntos, somos fortes’. O Crer-Ser tem essa base de trabalho que é a família. Eu escolhi essa peça exatamente por essa questão da união e porque, claro, é uma peça que daria para comportar todas as oficinas, pois é importantíssimo que todo mundo participe dessa montagem”, esclarece.
O diferencial dessa apresentação é que as oficinas do projeto se transformaram em cenas do musical, que ajudaram na própria narrativa. “Nós fizemos uma semana de imersão, onde todos os alunos fizeram aulas de todas as oficinas. Isso fez com que o aluno de dança que vai num dia, que não conhece o pessoal do teatro, se encontrasse com o colega, unindo ainda mais esses laços de família. E principalmente entendendo que a capoeira na peça não é só a capoeira, é uma cena da peça, assim como as outras oficinas”, explica a diretora.
A transformação do musical em uma apresentação complexa e completa do Projeto Crer-Ser foi longa e trabalhosa, exigindo a entrega e união de todos, professores e alunos durante 5 meses. E o resultado foi uma apresentação profissional, que proporcionou uma noite de beleza e encanto para todos que foram assistir à peça no X Festival de Artes Cênicas.
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“Para mim é a resposta mais preciosa que um educador pode querer receber: nós transformamos essas crianças. E essas crianças vão transformar outras em jovens protagonistas das suas vidas”, enfatiza Morena. Ela acrescenta ainda que já houve o convite para se apresentarem na Universidade Federal do Rio de Janeiro e em Pouso Alegre, e há a vontade de colocar a peça em uma temporada. “Eu acho de extrema importância que a gente fique em cartaz em São Lourenço. A cidade tem espetáculos teatrais às vezes, mas que vêm e se apresentam um dia e vão embora. Nós queremos ficar em cartaz sexta, sábado e domingo, uma apresentação por dia, ou sábado e domingo que seja, para que o sãolourenciano crie o costume de falar ‘Hoje é sábado! Vamos ao teatro?’ Porque não?”, sugere Morena Lua.
Para a atriz e professora, São Lourenço é “um celeiro de artistas” que deve e merece valorizar mais as artes. “Se todos juntos somos forte, a peça faz um apelo a todos os artistas da cidade a se unir e transformar a concepção de arte de São Lourenço”, conclui.